O custo da democracia

Os de sempre estão, como sempre, revoltados. O motivo de agora é a destinação orçamentária de 890 milhões para as campanhas eleitorais de 2016. Gritam e chiam, porque, dizem, achou-se mais um pretexto para desviar o dinheiro do contribuinte para os ladrões de sempre.
Como geralmente acontece, gritam e não pensam: quem tem o hábito de gritar não tem tempo para pensar antes. Tivessem tempo, tentaria lhes fazer algumas ponderações.
Talvez eu lhes perguntasse primeiro se são a favor da democracia. É uma pergunta importante, porque, como parto daí, toda minha ponderação perderia sentido se meus interlocutores defendessem a ditadura. De fato, para quem defende a ditadura, nem precisa haver eleições, de modo que este dinheiro já estaria de antemão poupado.
Descartado o diálogo com estes, seguiria adiante, e pediria que deixassem de gritar por uns momentos e me respondessem quanto custa a democracia. Para evitar digressões desnecessárias, diria para desconsiderar todo o dinheiro gasto como o funcionamento dos Poderes, principalmente os eleitos, mas também o Judiciário, porque sem eles não há democracia. Claro: não devia mesmo começar por aí, porque ditaduras também têm seus poderes, principalmente o Executivo, e gastam com eles, não sei se mais ou menos que as democracias, mas é bom lembrarmos que todo Estado é financiado com dinheiro do contribuinte.
Mas, se a ideia é pular esta parte, não devo me ater a ela. Pediria então aos meus interlocutores para pensar sobre o quanto custam eleições. Poderia lembrar, por exemplo do custo de toda a estrutura da Justiça Eleitoral, dos salários à urna eletrônica, para argumentar que democracia é uma coisa cara. Mas, nesse ponto, o revoltado mais atilado, que por um momento se permitiu pensar, talvez me redarguisse que estou fugindo do assunto, porque a grita deles é com o dinheiro público destinado ao financiamento das campanhas.
Sim, evidente, só fiz essas primeiras considerações para deixar marcada essa ideia de que democracia custa, mas de fato o assunto são os 890 milhões do contribuinte destinados para aqueles ladrões.
Então, entraria no assunto propriamente dito, e perguntaria a eles, que são especialistas em Lava-Jato, se acham melhor que as campanhas sejam financiadas por empreiteiras. Por empreiteiras não? Quem sabe então pelos grandes bancos. Também não? Então pela Friboi, que dizem ser do Lulinha? A essa altura, um deles me responderia que cada um pague sua própria campanha.
Sim, esta seria uma alternativa: cada um paga sua campanha. Os ricos se elegem, os pobres não. Sei: seria perigoso eu falar assim, porque rico e pobre são palavras do léxico bolivariano, e por isso eu precisaria ter muito cuidado com minhas palavras. Mas teria de dizer. Aliás, este é o motivo também para afastar a ideia de que mandatos públicos devem ser exercidos graciosamente, como contribuição à cidadania. A democracia passaria a ser por definição – na prática já é, em grande medida – uma plutocracia, evidentemente imbuída do melhor espírito público, e o Legislativo de modo nenhum legislaria a favor do sistema financeiro, das empreiteiras, etc.
Mas não é só isso, e eu teria de acrescentar que, numa hipotética situação, em si ingênua, em que não há interesse de classe, ou seja, rico legisla a favor de rico (imaginem, por exemplo, a estrutura tributária que viria daí, com os pobres, ainda mais que hoje, pagando os impostos, ou a legislação trabalhista), mas somente interesses individuais, e partindo do princípio de que cada um dos eleitos tem seus próprios interesses, no mínimo haveríamos de imaginar os eleitos buscando no seu mandato recuperar o dinheiro investido, mais o lucro do empreendimento. É a política como business, compatível com a ideia que os revoltados fazem de que são todos ladrões.
Ah, dirão meus interlocutores revoltados, mas tem o caixa dois, pra que dar dinheiro do contribuinte pra eles, se tem caixa dois, do dinheiro arrecadado ilicitamente? Aí teria de responder: se parto do princípio de que há caixa dois e por isso não deve ir dinheiro público para as campanhas, meu próprio raciocínio é cínico, porque tenho como certo que as campanhas são criminosas e só permito a quem é criminoso concorrer, porque os honestos, que não praticam o esquema do caixa dois, estarão por definição excluídos da política.
Agora, se nada disso servisse para meus interlocutores pararem de gritar, ainda lhes lembraria que a legislação eleitoral brasileira prevê que parte das campanhas seja financiada por dinheiro público proveniente do fundo partidário. Lembraria também que recentemente o STF decidiu que é inconstitucional o financiamento de campanha por pessoas jurídicas, o que ao natural barateará as campanhas, mas tornará mais importante o dinheiro público no seu financiamento.
Lembraria ainda que, se parece um absurdo aumentar o valor destinado ao fundo partidário de R$ 311 milhões para R$ 819 milhões, esse número é infinitamente menor ao das doações de grandes empresas: estima-se que o custo das campanhas nas eleições municipais de 2012 foi de R$ 4,5 bilhões, ou seja, mesmo sem considerar a inflação do período, quase seis vezes mais que o agora destinado ao fundo partidário. Dos valores doados, cerca de 97,5% o foram por pessoas jurídicas, que agora estão proibidas de doar.
Também proporia aos meus interlocutores, um pequeno cálculo: tomado o número de candidatos a vereador e prefeito em 2012, que foi de 483 mil, o valor que este ano será destinado ao fundo partidário corresponderia a aproximadamente R$ 1.842,00 por candidato. E lembraria a meu interlocutor revoltado que isso é só uma média, de um valor que mais parece se adequar à campanha para vereador no Oiapoque e no Chuí do que para prefeito em São Paulo.
E, já que estamos com a calculadora na mão, dividiria o número pelos 205 milhões de brasileiros, para descobrir que eu mesmo vou contribuir com pouco mais de quatro reais para a campanha eleitoral. Este é o custo da democracia. Eu topo!
Será que assim teria convencido alguém? Teria diminuído, ainda que minimamente, o número dos que gritam sem pensar? Assim espero, porque sempre é bom pensar um pouco.

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