Empresários: vítimas da corrupção?

As empreiteiras tentaram, e a tese não é absurda: foram vítimas de achaques e, se não pagassem propina, não sairiam os contratos, elas teriam enormes prejuízos, talvez até mesmo quebrassem. Forçando um pouco a barra, haveria, em relação a suas condutas, uma inexigibilidade de conduta diversa.


A alegação não para em pé porque há também a questão do superfaturamento. Ou seja, não se tratava apenas de assegurar que o contrato saísse, mas de cobrar mais, de tirar mais dinheiro do Estado, e para isso era necessária a cumplicidade dos dirigentes da Petrobrás. Ademais, se só de achaque se tratasse, como se poderia explicar a existência de sofisticados comitês entre as empresas? Num mercado dominado por poucas empresas gigantes, teria sido fácil se articularem para resistir, do mesmo modo como souberam se articular para pagar.

Mas volto ao início para repetir: a tese não é absurda, porque é verossímil a afirmação de que o empresário quer trabalhar e, para que possa fazê-lo, é obrigado a pagar propina a funcionários corruptos.

Outra possibilidade de excluir a responsabilidade dos empresários é a de fazer um corte: corruptoras são só as empreiteiras, das quais há muito se ouve falar, sempre mal. Em outras palavras: ao invés de considerá-las vítimas, as condenamos, mas com a ressalva de que são um ramo muito específico, que sempre viveu à sombra do Estado, numa relação de simbiose, e fez da corrupção seu modus operandi.

Qualquer das duas opções serve para quem quer demonizar o Estado – ou o Governo, tanto faz: corrupto é o Estado, corrupto é o Governo, corrupto é o Partido, corruptos são os funcionários.

Mas a história muda de figura nos mais recentes – e menos badalados – escândalos. Como, por exemplo, dizer que os empresários são vítimas quando é identificado o pagamento de propinas para se livrarem de multas por sonegação de impostos? Pois é disso que são acusadas algumas das maiores empresas do Brasil e alguns empresários acima de qualquer suspeita, e, segundo se ouve, com prejuízo maior que aquele da Lava Jato. Aqui já não se está diante de quem quer trabalhar e não consegue ou de um ramo que tem relação promíscua com o Estado corrupto. E a ação se dá em dois atos: primeiro sonega, depois, quando flagrado, corrompe

Claro que ainda se tem a presença de quem recebe a propina. Ou seja: mesmo havendo empresários que pagam para poderem sonegar impunemente, ainda há funcionários prontos para fazerem seu pé-de-meia, para isso beneficiando quem lhes oferece o dinheiro. Assim, de algum modo ainda permanece presente a possibilidade de se dizer que a culpa toda está no Estado: não cobrasse impostos tão caros, não empregasse funcionários corruptos, não isso, não aquilo, os empresários não seriam tentados a pagar propina.

Só que no caso do HSBC nem esse argumento fica em pé. Milhares de brasileiros, alguns mais, outros menos aquinhoados, transferiram bilhões de reais para contas na Suíça, o que pode configurar evasão fiscal, e nesse caso não existe participação nenhuma de funcionário público ou do Estado. Aqui já não há a mínima condição de terceirizar a responsabilidade.

Fique claro: não quero virar o jogo. Sei que há muita corrupção no Estado Brasileiro, mas estou convicto também de que a corrupção impregna o tecido social. Muito se fala nos pequenos atos de desonestidade praticados pelos cidadãos de bem, e em tempos de declaração de renda é pertinente lembrar que muitos dos que gritam contra a corrupção já dão ali a sua maquiada.

Combater a corrupção exige um conjunto de ações, das quais as aparentemente eficazes investigações da Polícia Federal certamente fazem parte. Mas isso não é tudo: é necessário que no âmbito do Estado se passe a ser mais cuidadoso e investigativo com esses desvios e é necessário que na sociedade se crie uma nova cultura de intolerância com a corrupção em todas as suas manifestações.

Um passo adiante certamente será punir todos os culpados, não só no que mais claramente caracteriza a corrupção, mas igualmente nos crimes de colarinho branco, que vitimam toda a sociedade.

E para nós, protestemos ou não contra o Governo, é importante ficar claro que não é buscando bodes expiatórios ou reduzindo o Estado que acabaremos com essa prática. E talvez seja bom compararmos a conduta do respeitável empresário que sonega milhões e a do abjeto traficante que vende algumas pedras de craque, para ver quem nos causa mais mal.

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