Boa viagem

Negro, andrajoso, cambaleante.

Estou a três passos. Ele vem, me diz algo em voz arrastada.

Desvio, e ele: ô-ô-ô, me responde!

Me volto, e ele: onde eu tô?

Tá numa parada!

Isso eu sei. Quero saber onde, o bairro.

Vejo o ônibus. Me serve de desculpa, e saio rápido, após dizer Aparício Borges.

É o T4, não embarco.

Devo voltar ou ignoro?

Deixo que me veja entre as colunas, ele vem.

O cara passa por mim, não me responde, custa falar comigo?

Ele fala de outro, mas podia ser de mim.

Pra onde tu vai? Bom Jesus.

De onde tu veio? Padre Reus, tava fazendo bico.

Como veio parar aqui? Ri: não sei.

Agora sei onde tô: terceira parada é a igreja.

Sim, São Jorge. Qual é teu ônibus? T1.

Não passa aqui. Eu sei, eu pego dois. Vô até a Ipiranga e pego o T1.

A fala é gaguejada, rastejante.

Tira um saquinho. Fumo picado. Enrola num papel, o isqueiro demora a acender.

Me oferece o fumo, agradeço.

Gosta de palheiro? Só fumo palheiro, nada mais. Nem cigarro, nem maconha, nem craque. E bebo 51 e Skol. Tudo com meu dinheiro, eu trabalho, faço bico.

Segunda baforada, e eu: meu ônibus. Meu também.

Lhe dou preferência, joga fora o palheiro, dá um tapinha no ombro do motorista desconfiado. No cadarço do pescoço, pendurado com uma chave, o cartão deficiente.

Senta no único lugar disponível, ao lado da jovem bonita, que me olha, interrogativa e desconfiada.

Passo a roleta, a moça vai descer na Bento, ele me oferece a janela.

Não é andrajoso.

Na parada da Bento, aponto a igreja. Ele se benze.

Parte o ônibus, ele levanta.

Abre a porta, ele se volta: boa viagem.

Sinaleira fechada, ainda o vejo: mais um palheiro. Inquieto.

Vê um ônibus. Não é o T1. Senta na mureta.

Boa viagem.


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