Leite derramado

Votei duas vezes em Eduardo Leite: no segundo turno contra o Sartori e no segundo turno contra o Onyx.

Foram votos mais ou menos óbvios, que dispensam maiores explicações: entre votar na direita civilizada e votar na extrema direita, sempre se há de optar pela primeira.

Por isso, foram votos incondicionais. Lembro que, no segundo turno de 2022, o PT, que por detalhe não chegou ao segundo turno, ensaiou algumas exigências para apoiar Leite, prontamente rechaçadas, e acabou por apoiá-lo de qualquer maneira.

Não que se deva esperar um compromisso democrático de Leite ou do PSDB, partido do Aécio, que inventou o golpe contra Dilma, mas até nos golpes há diferenças, como ficou claro agora, com o plano para o golpe militar clássico, inclusive com a intenção de matar Lula, Alckmin e Moraes.

Leite não apoiou Lula contra Bolsonaro; quatro anos antes, deu um apoio envergonhado a Bolsonaro contra Haddad, sem nunca chegar perto de ser um Sartonaro.

Se o voto em Leite foi incondicional, também não se haveria de esperar reciprocidade: no segundo turno entre Melo e Maria do Rosário, ele apoiou Melo, mesmo tendo sido traído pelo MDB bolsonarista em 2022. Muitos viram nisso uma atitude mal-agradecida do governador, mas a política é assim, e quem é da mesma turma se apoia. Basta pensar os partidos postos num plano cartesiano: a esquerda vota na direita moderada contra a extrema direita, mas a direita moderada não tem pejo de votar na extrema direita, com a qual tem proximidade programática, contra a esquerda, com a qual apenas compartilha, sem muito compromisso, o respeito à democracia.

Afinal, o que diferencia Leite de Melo? Não são ambos representantes do mercado? Algum dos dois, quando vê uma árvore, não a pensa derrubada? Não se aproximam ardorosamente das finanças, do capital imobiliário, do agronegócio?

Isso explica o motivo pelo qual, tendo sido apoiado pelo PT, dois anos depois Leite preferiu apoiar Melo: são as duas vertentes do neoliberalismo na política, ambas comprometidas com o mercado.

A diferença entre Leite e Melo – e Sartori e Bolsonaro – está no verniz, o que não é pouco: governam para os ricos, mas é inimaginável uma cena de Leite debochando da sexualidade de Bolsonaro.

Esse verniz está, da mesma forma, no prestígio à cultura, que pode ser também o substantivo próprio Cultura. Sartori queria acabar com a Rádio Cultura, privatizá-la. Lembro bem de ter escrito sobre a questão, inclusive lembrando que a rádio foi criada pelo governo Simon.

Afinal, em 2018, a diferença entre Leite e Sartori, no que se refere a votar no fascismo, estava apenas na cor da face: enquanto um ruborizava, o outro apoiava Bolsonaro sem vergonha.

Por outro lado, eu tinha certeza de que Sartori acabaria com a Cultura e a TVE, e esperança de que, com Leite, elas sobreviveriam. Funcionou nestes seis anos. Mas eis que chega final de 2024 e Demétrio Xavier é corrido da Cultura e da TVE. Por qual motivo, se seus programas são, além de primorosos, os de maior audiência nessas emissoras?

Ele é mau profissional? Incomoda, por não se submeter ao pensamento neoliberal, elevado a pensamento único? Ou é porque faz um programa inteligente, coisa muito perigosa?

A mim parece que o verniz está gasto, e nem mesmo para a cultura há mais espaço na agenda do bom moço.

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