A Noruega é um país estranho: ora dá no cravo, ora na ferradura.
Com pouco mais de 5 milhões de habitantes e uma grande produção de petróleo, alivia a má consciência de ser cúmplice no aquecimento global destinando parte da fortuna que arrecada a projetos ambientais.
É a maior financiadora do Fundo Amazônia, destinado a investimentos na preservação da Floresta Amazônica, mas também contribui para sua depredação, por meio da mineração. Não faz muito, a empresa Hydro Alunorte, do governo norueguês, chegou a causar um desastre ambiental, ao contaminar áreas verdes e rios com rejeitos tóxicos de uma refinaria de óxido de alumínio.
Nada é mais típico desses vaivéns que o inventor da dinamite ter criado um prêmio para homenagear quem promove a paz.
Dizem que fez isso para defender a própria reputação, diante da má fama de sua invenção, mas acho que esqueceram de avisar os integrantes do comitê, que ao longo do tempo premiaram tantos promotores da guerra. Claro, Alfred Nobel não era norueguês, era sueco, mas fica parecendo que reservou justamente aos noruegueses o prêmio da paz, para que pudessem dar no cravo e também na ferradura.
O fato é que a concessão do Prêmio tem balançado ao vento, ora indo a um Perez Esquivel, ora a um Obama, e nessa dança às vezes parece haver dinamite na jogada.
Mas, em matéria de desfaçatez, o prêmio deste ano é insuperável. Mesmo para a lamentável figura de Kissinger havia uma justificativa, ter sido o articulador do tratado de paz com o Vietnam, mas para Maria Corina Machado nada há, além do apoio a um projeto imperial.
Hoje, com Israel praticando um genocídio em Gaza, cairia bem homenagear Greta Thunberg ou Francesca Albanese, mas o prêmio foi para Maria Corina, que tem reiteradamente apoiado as ações sionistas. Ao ser informada do Nobel, como para coroar a premiação espúria, a agraciada dedicou o prêmio ao grande pacifista Donald Trump.
Tudo bem, o comitê do Nobel não justificou a escolha por Gaza, mas pela promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela. Só que aí o cinismo sobe de patamar, porque é homenageada uma integrante da extrema direita sul-americana, com décadas de engajamento antidemocrático, e que nas últimas semanas se expressou no apoio aos bombardeios dos Estados Unidos a barcos de pescadores e às ameaças de ações bélicas contra a Venezuela.
Melhor seria se rebatizassem o prêmio, para, sei lá, Prêmio Nobel da Guerra ou Prêmio Nobel dos Golpes, algo assim.
A coisa foi tão escandalosa, que, em seguida ao anúncio, surgiu a notícia de que teve gente que ganhou muito dinheiro nas bolsas de apostas, por conta do vazamento da escolha de Corina. É muita chinelagem!
Quem viveu em Porto Alegre nos anos 70 há de lembrar da Borregaard, empresa norueguesa de celulose que empestava a vida de todo mundo, com seu cheiro de ovo podre. Pois é assim que cheira este prêmio ignóbil.
Mas, para confirmar que é uma no cravo e outra na ferradura, a seleção norueguesa de futebol anunciou, após a goleada sobre Israel por cinco a zero, que doaria a renda da partida para Gaza. Simbólico e bonito, verdadeiro tapa de luvas!
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Levei dias para pensar e executar este singelo texto, e já me sentia como quem comenta um Grenal três semanas depois, quando o assunto já é outro, mas subitamente ele volta a ser atual: enquanto, para alegria de Maria Corina, Trump manda um porta-aviões para o Caribe, para sua tristeza, o Conselho de Paz norueguês, composto por 17 organizações, decidiu que não realizaria a cerimônia de entrega do prêmio, por não estar de acordo com a escolha. Mais uma no cravo!












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