Parece que foi agendado: um dia a reforma trabalhista, no outro a condenação do Lula. A História acontece agora e a poeira não assentou para que seja contada com cores definitivas, mas a coincidência não há de passar desapercebida a quem fizer, no futuro, a crônica desses dias.
E terá significado muito mais amplo que aquele que lhe possa atribuir quem gosta de contar a História como seleção de fatos pitorescos. Claro que para este será um prato cheio dizer que em dois dias seguidos caíram, primeiro, as bases da legislação de proteção ao trabalhador e, em seguida, o líder das grandes greves operárias dos anos 70, o operário que se tornou presidente.
Digo isso agora, quando nem ao menos se sabe se Lula efetivamente caiu, porque, cada vez mais certos de que ele é eleitoralmente imbatível, os roteiristas calculam o tempo para o julgamento de Segundo Grau, que, este sim, há de consumar sua queda.
O que há de trágico nisso é o fato de que o roteiro vem sendo escrito há no mínimo três anos, porque desde o início os porta-vozes autorizados diziam ao Brasil que a operação investigatória judicial chamada Lava Jato tinha Lula como endereço final.
Para esta narrativa não é necessário aguardar pelo historiador do futuro: em setembro de 2015 Dória já perguntava em público a Moro quando sairia a prisão de Lula.
O fato é que desde 2013 os astros se alinharam para permitir no Brasil a virada para um alinhamento mais terreno: alinhamento ao grande capital internacional, que, mundo afora, submeteu os Estados Nacionais aos seus apetites.
Era para ter acontecido nas eleições presidenciais de 2014. Teria sido menos traumático que o golpe paraguaio que se seguiu, com o apoio de uma patética classe média e seu discurso contra a corrupção.
Na verdade, todo o sistema repousa, e sempre repousou, sobre a corrupção.
Mas uma corrupção infinitamente maior que o preço de mil triplex não produz no imaginário – nem nos tribunais – o efeito de um único apartamento, independentemente de quem seja seu dono, desde que se construa uma narrativa que o torne o grande símbolo, mesmo porque o discurso se basta.
Há muitos anos se sabe – e na América Latina há inúmeros exemplos – que, quando não se pode apear a esquerda eleita pelo uso do fantasma do comunismo – hoje maquiado de bolivarianismo –, se a derruba sob o pretexto da corrupção, que foi, aliás, um dos motes dos golpistas de 1964.
Só que o Brasil de 2017 não é o de 1964 e, se naquele momento de Guerra Fria a legislação trabalhista tinha de ser preservada, hoje é necessário modernizar as relações de trabalho, para nos integrar a essa economia global desregulamentada, em que o trabalho é a mais descartável das mercadorias.
Enquanto presidente, Lula promoveu uma bem-sucedida política de conciliação de classes. Os ricos não tinham de que se queixar, exceto por compartilharem os aeroportos com os pobres e por serem governados por quem não sabia usar mesóclises.
Mas veio a crise, e o momento histórico não mais permitia esses luxos. E a oportunidade vem sendo aproveitada para matarem dois coelhos com uma cajadada: realizam-se as tão esperadas reformas e tira-se do caminho quem pode atrapalhar.
Quanto à corrupção, bem, depois tiramos os outros.
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A fotografia é de João Roberto Ripper.
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