Vou caminhar, mais por obrigação com a saúde que por gosto. Começo contornando a alta vegetação, característica das praças porto-alegrenses deste verão, e ouço, do extremo oposto, o som agudo do aparador de grama.
Torço que não estejam perto da pitangueira, para onde programei uma busca às temporonas. É bem lá que estão. Mesmo assim paro, consigo colher três ou quatro, enquanto troco algumas palavras com o que está mais próximo.
Quando saio, pergunta se tenho trocado para um café e respondo que não carrego dinheiro quando caminho. Ele dá um sorriso e me deseja um excelente feriadão.
Conto cinco, nas funções de corte, capina e varreção, com o uniforme laranja da Cootravipa, e penso, como sempre penso quando os vejo, se há efetivamente trabalho cooperativo ou se é um modo de barateamento de mão de obra. O fato é que, cooperativo ou não, trata-se de um desses trabalhos subalternos, reservados aos mais pobres e com baixa escolaridade.
Se conto cinco, conto cinco negros. Não moram negros nas casas e prédios que cercam a praça, mas são eles que cortam a grama.
Sigo caminho. A cinquenta metros, já na esquina, há um pé de araçá. Enquanto faço nova colheita, passa o caminhão da coleta seletiva, de onde dois lixeiros gritam uma saudação, respondida às minhas costas. Negros, eles, os lixeiros (não vi o motorista).
Olho para trás, e agora conto seis: não havia visto antes a mulher do grupo. Negra.
Saio dali, ainda paro em outra pitangueira, enquanto penso em escrever sobre isso no final de semana. Será fácil, penso, já tenho o início do texto.
Passa o sábado, passa o domingo, e não escrevo. O texto não vem, não consigo desenvolver a ideia.
Acordo na segunda com os comentários sobre o desfile da Paraíso do Tuiuti. Não sou carnavalesco, mas vou assisti-lo.
Decido então: não escreverei mais nada, prefiro que assistam ao desfile da Tuiuti.
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