Trevas e fogueiras

Há quem diga que a Idade Média não foi nada disso, mas me ensinaram como a idade das trevas, e poucas vezes uma ideia me foi tão facilmente transmitida como essa, porque passei a imaginar o mundo de então numa noite sem fim, de ignorância e miséria total.

Não é por nada que, equivocadamente, a pensava como o tempo em que bruxas e hereges eram queimados nas fogueiras: tinha tudo a ver com essa escuridão eterna, a realçar a visão dos rostos retorcidos que a luz das chamas revelava.

Quando imagino o povaréu que então vibrava com o macabro espetáculo, vejo pobres de espírito, cuja existência só se tornava mais segura com a destruição de quem pensava ou ousava agir livremente.

O fato é que sempre as vi juntas, escuridão e fogueira.

Em tempos de trevas, as mentes parvas entram em transe e só se sentem seguras se destroem qualquer traço de inteligência. Ou, ao inverso, não são as trevas que causam o transe das mentes parvas, é seu transe que produz as trevas.

O pensamento é o terror dos boçais, nele reside o perigo, porque lhes tira a segurança das respostas fáceis do senso comum. Mas, quando se unem, eles se enchem de orgulho e arrogantemente partem para o ataque, gritando suas palavras de ordem.

Umberto Eco disse que a internet deu voz aos imbecis, mas foi este mundo em crise, inseguro e desigual, que, ao lhes negar a prosperidade que os manteria quietos em sua mediocridade, os reuniu e os fez seguir líderes prontos a acenderem fogueiras.

Não interessa se sempre se nutriram do sistema, eles vieram contra destruí-lo, e, como tudo o que aparenta racionalidade parece pertencer ao sistema, também tem que ser derrubado.

Nesse mundo, Aristóteles é comunista, Galileu também é, assim também Newton, Darwin e tantos outros.

Estudá-los, ensinar os alunos a pensar, é comunismo, é escola partidarizada. A escola dos parvos é sem partido, e por isso ensina criacionismo e terraplanismo.

Já o debate, lugar de formulação e manifestação do livre convencimento, é perigoso e precisa ser abolido. Do mesmo modo a pesquisa. Toda a forma de inteligência é perigosa, porque ameaça o mundo dos parvos.

Por isso, professores precisam ser espionados e denunciados, bibliotecas invadidas, livros queimados, escolas denunciadas. Precisa também aprovar uma lei chamada Escola sem Partido. E precisa acabar com a Universidade.

Alguém escreveu há alguns dias que a comunicação já não se faz com frases, e certos sucessos eleitorais decorrem da capacidade de comunicar ideias elementares, que, sem serem necessariamente verdadeiras – geralmente não são –, grudam nas mentes que precisam de respostas simples.

Provavelmente, são ideias capazes de provocar esse transe das trevas que pedem fogueiras. Nesse novo mundo, a inteligência é subversiva e precisa ser banida.

A ilustração mostra o formato convexo da Terra, segundo a Dakila Pesquisas, recentemente homenageada pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul por sua relevante contribuição à Ciência.


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