Li Lavora arcaica e não li Um copo de cólera. Conheço meio Raduan Nassar, autor de duas obras, mais os contos. Ou, se, como ele diz, sua obra é de um livro e meio, conheço mais da metade. O que, em se tratando de Raduan, me deixa ainda em déficit, não só pela qualidade desse que muitos consideram o maior escritor brasileiro vivo, como pela facilidade que a obra reduzida oferece para uma leitura completa.
Mesmo assim, acredito estar num grupo ainda reduzido dos que o leram, talvez até mesmo dos que ouviram falar dele, embora tenha se tornado mais conhecido depois que os livros foram levados ao cinema.
A familiaridade me permitia ter um orgulho meio pernóstico, besta mesmo, de ser um dos poucos a conhecerem essa figura, além de tudo misteriosa, porque, assim como um dia decidiu escrever, em seguida decidiu que a carreira de escritor havia acabado e se enfurnou numa fazenda, para virar agricultor.
Enquanto o lia, ele plantava soja e milho, fazendeiro sossegado do interior. Saiu de cena, e por isso me lembrava Salinger, que se tornou recluso e misterioso após sua grande obra. Digo me lembrava, e não sou original nisso, porque é frequente o paralelo.
Ou era, porque em algum momento Raduan Nassar se pôs em movimento. Já próximo dos oitenta, doou sua fazenda, parte para os trabalhadores e a parte maior para uma universidade pública, com a condição de que servisse como campus, com ênfase na agricultura familiar.
Poderia também ser uma segunda aposentadoria, uma saída de cena definitiva, ainda que pela via de uma generosidade inusitada num mundo governado pela ganância.
Mas não foi isso, e ele começou a se fazer ouvir. O Prêmio Camões foi um reconhecimento para sair das sombras, e o discurso ao receber o prêmio foi a afirmação da consciência cidadã de quem, tendo já doado sua pequena fortuna para um projeto de ensino inclusivo, agora denuncia ao mundo o golpe.
De repente, o cult virou pop. No fundo, sinto uma perfidiosa inveja por ter de compartilhá-lo. Fazer o quê? Que venha o próximo discurso!
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