A Constituição é o que o Supremo diz que ela é. A consagrada máxima não deixa de ser ambígua. Por um lado, é verdadeira, porque, de fato, é o Supremo quem tem a última palavra na interpretação da Constituição. Essa é a sua atribuição, e modo como ele a interpretar passa a valer no mundo jurídico.
Por outro lado, muitas vezes a definição vem carregada de um sentido que ultrapassa os limites de uma esperada leitura sistemática, que preserve seus princípios, e mesmo quem repete a máxima parece dizer que ao Supremo é dada a liberdade de dizer o que bem entende, desse modo colocando-se mesmo acima da Constituição, na medida em que seu texto nada vale diante das peculiares leituras feitas pelos ministros.
Hoje esse é um sentimento disseminado; há no ar uma falta de credibilidade na sua capacidade de cumprir o papel que lhe é atribuído, e não se pode dizer que é uma sensação despropositada.
Talvez o Supremo tenha mesmo se perdido em alguma curva da História, seja quando se dobrou ao protagonismo de Gilmar Mendes, seja quando, na famosa entrevista de shopping, o decano disse que impeachment não é golpe, seja mesmo quando aceitou passivamente que o golpe acontecesse.
Ademais, numa Nação dividida, qualquer decisão que seja por ele tomada passa a ser vista com desconfiança por um dos lados, o que o torna suspeito mesmo quando não há razão para tanto.
E se, em relação ao impeachment, a crítica é a de que se omitiu, isso significa o contrário da arrogância contida numa leitura disparatada, de decidir conforme seu talante, mas de, justamente no momento mais difícil da democracia brasileira, ter permanecido inerte.
Em certo sentido, num país em que a crise dos poderes está escancarada, em que a venialidade da política chegou a um ponto tal que, por qualquer lado, a legitimidade dos governantes é posta em dúvida, a Corte Suprema poderia ser aquele lugar reconhecido por todos como a reserva de autoridade da Nação, defensor da Constituição e timoneiro seguro para viabilizar uma saída democrática para a crise política.
Mas, se antes deixou acontecer o impeachment, não parece ser neste momento, em que, para dizer o que a Constituição é, tem se dedicado a afastar um senador do mandato e autorizar ensino religioso de natureza confessional nas escolas públicas, que conseguirá ocupar seu lugar.
Enquanto isso, surgem, vulgares e ilegítimos, outros intérpretes constitucionais e também outros candidatos a timoneiro.
E então já não é o Supremo, mas são os militares que interpretam a Constituição, para dizer que o artigo 142 lhes autoriza intervir quando chamados por qualquer chefe de poder e se apresentarem como nossa reserva moral. Em seguida, apresentam-se também os entusiastas da intervenção militar constitucional, hermeneutas do arbítrio, para, como sempre, invocá-los a acabarem com a bagunça.
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