Livres do poder civil

Temer sancionou a Lei 13.491, que muda o Código Penal Militar, para que crimes dolosos contra a vida praticados por militares das Forças Armadas contra civis, quando, convocadas por algum dos Poderes, intervêm em operações internas como, por exemplo, acontece ao serem chamados para garantir a lei e a ordem.

Antes, a competência era da Justiça Comum; a partir de agora passa a ser da Justiça Militar. Amplia-se o conceito de crime militar, e os abusos das Forças Armadas, quando chamadas para intervir em conflitos internos, ficam cada vez mais livres de controle das instâncias comuns do Judiciário.

Nada há de incoerente nisso; obedece a uma lógica perversa, mas não deixa de ser lógica: cada vez mais incapaz de cuidar da segurança pública, o Estado Brasileiro passa a fazer uso das Forças Armadas para essa finalidade; disso decorre um forte risco de causarem mortes, como já tem acontecido nas favelas do Rio de Janeiro, e os militares podiam ser submetidos a julgamentos civis, o que é intolerável; por isso, mantém-se a convocação dos militares a atuarem na segurança interna, mas excluem-se da apreciação da Justiça Comum os crimes dolosos contra a vida por eles praticados.

Trata-se não só de mais um passo na banalização do uso das Forças Armadas para a segurança interna, contra a sua razão de ser, que é a defesa contra o inimigo externo, como também se reforça no arcabouço jurídico uma autonomia militar em relação ao poder civil, que pode lhe ser muito conveniente em situação de intervenção – leia-se golpe – militar.

Assim é a pós-democracia. A cada dia o Estado Democrático de Direito passa a ser não mais que uma lembrança de outros tempos. A cada dia se confirma que a democracia já não pode ser exercida na plenitude, porque a contenção dos excluídos exige uma força que vai além da legalidade democrática, como concebida nas Constituições democráticas do século XX.

A lei agora aprovada é apenas um detalhe na naturalização de um novo papel reservado para as Forças Armadas: o de órgão responsável pela segurança interna.

Desde que iniciei o Bissexto, há dois anos e meio, à exceção de dois escritos de outros autores (Discurso aos novos magistrados e Ladrão de Bicicleta) e um que resgatei de um blog extinto (O ministro sem quarentena), só publiquei textos inéditos. Pela primeira vez desde então escrevi um texto para publicar primeiro em outro lugar, o blog Disputando o Direito, das Carreiras Jurídicas pela Democracia. Para quem não conhece, sugiro uma visita.


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