Impressão é assim: a gente vê, não tem certeza, mas sente que é por aí, embora talvez não seja. Às vezes a notícia de um fato nos causa uma impressão, ouvimos um comentário e a impressão já muda, ouvimos outro e já pensamos uma terceira coisa, que talvez não seja mais válida que a primeira e a segunda.
No meu caso, nem comecei com a notícia. Desinformado que sou, só ouvi “soltaram o goleiro”, e não entendi nada.
Depois soube que o Ministro Marco Aurélio concedeu habeas corpus a Bruno, e aí já me vi entre comentários de toda ordem. Logo li que Marco Aurélio tem 1.426 habeas pendentes de julgamento. A notícia não informou, mas deu a impressão – nesse caso a impressão veio de fora – de que o ministro passou Bruno na frente de mais de mil desafortunados, que estão na fila.
Espanto-me com tantos habeas corpus nos escaninhos. Serão de pessoas ainda presas? Serão de pessoas que acreditaram em vão na justiça, e não obtiveram em tempo resposta para sua súplica por liberdade? Logo leio que o mais antigo dos habeas foi impetrado por um delegado que está no pleno exercício de sua função, e aí já não sei se nesse caso o impetrante deseja o julgamento ou espera o esquecimento.
Mesmo assim, sinto essa impressão dúbia de que, se um se beneficiou do remédio heroico, mais de mil não receberam sua dose.
Sigo acompanhando comentários, e ouço a crítica ao fato de que um ministro concedeu sozinho a liminar de soltura, embora colegiados de instâncias inferiores tivessem antes mantido a prisão. Penso que tem fundamento a crítica, mas aí já lembro que no Supremo é uma temeridade levar decisões desse tipo ao colegiado: vai que um ministro, desses que soberanamente decidem subtrair processos à decisão dos pares, peça vista? Vai que ele nunca mais retorne?
Também não me parece seja o caso de um benefício especial ao goleiro: embora seja uma celebridade, o que talvez conte para receber uma decisão mais rápida, Bruno não tem influência ou prestígio como o daquele empresário famoso que inspirou, por um supremo arroubo, a súmula das algemas. Não, Bruno é famoso, talvez lhe sobre algum dinheiro, pode ser homenageado por alguma paixão clubística, mas é da vila, não tem aquele gene superior que lhe autorize maior deferência.
Prossigo nas leituras. Logo vem – e não poderia faltar – a crítica à impunidade, ao estímulo que a soltura significa para que outros cometam crimes semelhantes. Nessa linha, o argumento é de que, se está preso há mais de seis anos sem trânsito em julgado, é por culpa de sua defesa, que inventou todo o tipo de manobras e recursos possíveis, sendo a única responsável pela demora.
Seguem então minhas dúvidas: é razoável que um Tribunal leve mais de três anos para julgar um réu preso? Será por culpa da defesa que o Tribunal não consegue julgar? Tento imaginar qual é o tempo razoável para um réu permanecer preso enquanto o tribunal não julga. Por um momento, até penso: não, o Supremo disse há pouco que depois da condenação de segundo grau já pode cumprir a pena; mas logo me dou conta de que com Bruno nem aconteceu ainda a decisão de segundo grau.
Evidentemente, essa crítica à impunidade vem de punitivistas, e é natural que, vendo eles tanta importância em punir, para dar exemplo à sociedade, fiquem inconformados com a soltura e digam: então o crime compensa!
Mas já em seguida leio uma feminista, e é aí que me lembro de que Bruno é acusado de feminicídio. Sim, é necessária uma pena exemplar nesse caso, e a sentença foi severa com ele. Soltá-lo quase no 8 de março, num ano em que estão programadas importantes manifestações e até greves, parece mesmo uma provocação.
Aí caio em outra divagação. Faz tempo que penso nisso, e não sou o primeiro a fazê-lo: com o Direito Penal às vezes se chocam valores típicos da esquerda: se ocorre um feminicídio, já não pensamos em direitos e garantias como faríamos em outros casos. Aliás, muitas vezes, até porque somos herdeiros de um outro tipo de esquerda, que se construiu no exercício da violência, o punitivismo se mostra inteiro entre nós.
Mas, então, para ele, não caberia falar em excesso de prazo?
São muitas impressões, e não consigo chegar a conclusões. E isso que estamos a falar só de Bruno. Imagina, então, quando o debate se voltar para a política, e, devidamente punida a esquerda, ocorrer uma súbita recuperação do amplo direito de defesa e da presunção de inocência.
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