Fazia uma pesquisinha básica antes de escrever Língua e gênero – uma folheada rápida na gramática e a procura nessa fonte de erudição que é o Google –, quando me deparei com ela. Foi um reencontro mágico depois de muitos anos de separação: lembrava dela como jurada no programa do Chacrinha (ou era do Flávio Cavalcanti?), e, porque aprendemos cedo a ser preconceituosos, antipatizava com aquela figura exótica de voz esganiçada e gargalhadas livres. Numa entrevista ao Jornal Tabaré, essa liberdade estava inteira, escancarada, e me apaixonei tardiamente.
Não lembro das palavras de busca, mas eram relacionadas ao título que dei: língua, gênero. Como os textos têm vida própria, o que então escrevi não deixou espaço para que a mencionasse, mas preciso agora lhe dar o crédito, pela inspiração que vem de nunca fui mulher, sempre fui pessoa. Era o que eu queria dizer em relação à língua, e sua autodefinição me escancarou a ideia.
Elke era isso, e lembrei do Schiller da Nona: Freude trinken alle Wesen an den Brüsten der Natur: alle Guten, alle Bösen folgen ihrer Rosenspur.
Mas ela era coração, não queria ser mente, porque quando sai do coração e vem pra mente vira bandeira e fode tudo.
Era a mais radical das feministas sem ser mulher. No antigo léxico das organizações comunistas – será que ainda existe isso? – havia uma distinção entre programa mínimo e programa máximo. Ela era o programa máximo.
Seguimos nós, mortais comuns – porque Elkes e programas máximos não existem –, que levantamos bandeiras. E precisamos levantá-las. Não podemos dizer, como ela, não sou mulher, não sou negro, não sou gay, sou pessoa. Não podemos, como ela, desobedecer aos tiranos, porque não fomos alcançados por esse sopro de anarquismo divino.
Só porque não nos foi dado sermos iguais é que levantamos a bandeira da igualdade. Elke não era deste mundo.
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