1. Tire o máximo proveito do sistema eleitoral. O sistema brasileiro é perfeito, porque nele o voto é avulso. Os eleitores não abrem mão disso e dizem, orgulhosos, “eu voto na pessoa”.
2. Não se preocupe com partidos ou quocientes partidários: fora uns partidecos sem expressão da esquerda, os partidos estão abertos para candidatos sensatos, que defendam propostas modernas.
3. Escolha seus candidatos e dê bastante dinheiro para suas campanhas. Ponha seus ovos em várias cestas. O povo vai votar na pessoa, e os de campanha mais cara vão fazer mais votos. Assim, você terá deputados de confiança na maioria dos partidos e dominará o legislativo.
4. Estimule um discurso contra a corrupção e contra as ideologias, tomando cuidado para combinar corrupção com ideologia. O comunismo está fora de moda, então invente outro nome. Bolivarianismo é perfeito; petralha melhor ainda.
5. Financie movimentos que denunciem os corruptos. Dê bastante dinheiro a eles, porque cumprirão um papel essencial.
6. Também não se esqueça da imprensa livre. Ela relatará de modo imparcial, dia após dia, todas as bandalheiras feitas por aquelas ideologias.
7. Lembre-se de que a classe média é contra os radicais, esses caras com discursos ideológicos, que defendem os corruptos: ela também será útil.
8. Estimule o impeachment. A imprensa livre se encarregará de entrevistar todos os dias juristas que expliquem ao povo que impeachment não é golpe, porque está previsto na Constituição. Se alguém disser que do outro lado também há corruptos, os movimentos que você financiou dirão que a vez dos outros chegará.
9. Ponha no liquidificador, e estará tudo pronto. Democraticamente, pela votação dos parlamentares que você financiou, tirará a presidente eleita e botará no lugar o vice, que promoverá as reformas necessárias para o futuro do Brasil.
10. São só dois anos, mas é tempo suficiente: quando o povo se der conta, os parlamentares que você financiou terão aprovado as reformas.
11. Se o povo se der conta antes, também não se preocupe: ele elegeu os parlamentares que você financiou, e o compromisso destes é com quem os financia.
12. Não se esqueça de que o legislador é sempre imperfeito, e os projetos não nascem prontos: promova emendas legislativas e encarregue seus lobistas de explicar aos parlamentares que os projetos precisam ser aperfeiçoados.
13. Se no Judiciário seguem ações contra corruptos, não se preocupe: são efeitos colaterais de um remédio amargo mas necessário.
14. Mesmo assim, se houver qualquer problema, lembre-se de que sempre poderá contar com a imprensa livre, aliada do progresso e da democracia, que não será temerária a ponto de associar a corrupção investigada com um sistema que é tão eficaz para todo mundo.
15. Também não se preocupe com greves, esses movimentos subversivos de bagunceiros e vagabundos, ou com a rejeição do povo às mudanças necessárias: o governo não tem compromisso com os eleitores e os parlamentares são fiéis a quem os financia. Talvez alguns temam 2018, mas até lá o povo terá esquecido. Se não tiver esquecido, sempre será possível financiar a campanha de novos parlamentares, que serão eleitos por quem vota na pessoa.
16. Se a coisa estiver feia, você também pode inventar um candidato a presidente que não seja político. O povo não aguenta mais político, e aí você traz uma cara nova e lustrosa, e cria uma publicidade mostrando que esse é novo, um administrador sério, que não tem nada a ver com o que os políticos fazem.
Pronto, é assim que funciona a democracia. Custa um pouco, mas é quase nada perto do que você lucrará com a modernização do país.
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Na ilustração, detalhe de Os usurários, de Marinus van Reymerswaele.
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