Manoel foi levado da fábrica, Vladimir apresentou-se após intimação. Maria chorou Manoel, Clarice chorou Vladimir. Maria e Clarice choraram com a notícia do suicídio dos maridos. Suicídios no DOI-Codi, Manoel em 75, Vladimir em 76.
Maria e Clarice choravam, e o irmão do Henfil estava lá longe, porque, como tanta gente, partiu num rabo de foguete.
Isso foi na época da Ditadura, pouco antes de morrer Chaplin, quando quase não se falava em pós-modernidade, conceito que entrou na moda pouco depois, mais ou menos quando conquistávamos a democracia.
Também não havíamos entrado na época do pós, visto como simulacro. Hoje, talvez como reflexo de pessimismo da humanidade e de pessimismo com a humanidade, o pós passou a se impor como modo de falsificar as negações, torná-las ambíguas, marcas de um cinismo mais ou menos explícito. O pós é o mais ou menos, e não chamamos a pós-verdade de mentira, nem a pós-democracia de ditadura. Ditabranda seria um bom nome, se a Folha não o tivesse queimado há alguns anos.
Nos tempos de pós-democracia, derrubam-se governos eleitos e diz-se que isso não é golpe. Derrubam-se-os a pretexto de acabar com a corrupção, e o poder é ocupado por proprietários de malas de dinheiro. Mas, em homenagem à pós-verdade, passa-se a dizer que uma mala só não faz prova.
Tantos crimes há nesse país, tantas coisas a investigar, e disso se espera sejam, como em tudo na vida, estabelecidas prioridades. Operações desencadeadas com centenas de policiais fortemente armados vindos de vários estados, feitas para imediatamente virarem manchetes nos grandes jornais, com referência a milhões desviados, hão de se voltar contra os maiores crimes.
Se é o que se espera, passa a parecer que hoje os grandes crimes são cometidos nas universidades públicas. É ali, e não nos carregadores de malas, nem nos ajustes que livram os grandes empresários do pagamento de impostos, que reside a corrupção.
E, como se espera da pós-verdade, as manchetes servem para, valendo-se de números inflados por relises oficiais, condenar previamente pessoas que nem ao menos se sabe se algum dia serão condenadas ou mesmo virarão rés. O que vale é ver policiais fortemente armados conduzindo perigosos reitores para prestarem depoimento. Assim, o efeito estará produzido.
Será um acaso que as universidades viraram alvo? É ali que está a grande corrupção do país? Não no CARF, não na sonegação, não na aprovação de leis, feitas como salsichas, que beneficiam o grande capital?
Mas na pós-verdade a corrupção está no público, não em quem do público se apropria. Desvia-se então a atenção, aponta-se-a para o que serve de bode expiatório ou então para o que precisa ser desmontado.
E desmonta-se cumprindo as regras do jogo, as regras da pós-democracia, essa ditabranda. Não mais DOI-Codi, não mais suicídios simulados de quem morreu torturado, nada de Marias e Clarices. Na pós-democracia, suicídios, se houver, serão reais e acontecerão depois, por quem foi conduzido coercitivamente, preso preventivamente, humilhado publicamente. Tudo dentro das regras do jogo. Do jogo pós-democrático.
Para esses, não há esperança equilibrista.
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