Somos seres que se comovem com a tragédia. Coletiva ou individual, causada pela natureza ou por nós próprios, toda tragédia nos mobiliza e entristece. Quando, como num terremoto, um vendaval ou um tsunâmi, nas suas causas não está a mão humana, apenas nos compadecemos e alguns mais caridosos se empenham em ajudar as vítimas.
Já quando vislumbramos a possibilidade de encontrar culpados, nosso senso de justiça se manifesta imediatamente, e exigimos punições. Mariana é um desses casos. A lama vermelha, que matou pessoas, animais e um rio, despertou uma comoção generalizada e a convicção de que foi a ganância de uma empresa a causadora da tragédia. Nossa revolta contra os causadores do crime é do tamanho do sentimento de solidariedade às vítimas, e esperamos que a punição seja, no mínimo, equivalente ao prejuízo.
Claro, as comoções são datadas, o pico de adrenalina logo passa, e as Samarcos da vida contam com o tempo para que as coisas sejam esquecidas. Passou meio ano, e poucos ainda falam do acontecimento. Se outra tragédia acontecer, voltaremos a nos mobilizar, e em alguns meses novamente a teremos esquecido.
Mas não é sobre o esquecimento que quero falar: minha preocupação agora não é com o depois, é com o antes. Aquela nossa formidável capacidade de mobilização diante do fato acontecido, aquela acuidade em encontrarmos responsáveis, não se manifesta senão diante da própria consumação. Nunca nos ocorre pensarmos antes o que poderia ser feito para que a tragédia não ocorresse.
Não que isso seja obrigação nossa: temos de cuidar da nossa vida, e, do mesmo modo como alguém pago para isso deve cuidar para responsabilizar os culpados pelo que aconteceu, também haverá quem cuide para que não se repita.
Os políticos de Brasília, por exemplo. Afinal, eles não são tão ágeis em propor o aumentos da pena imediatamente após circular vídeo de estupro coletivo? Então, certamente, após Mariana devem ter se preocupado com uma legislação mais eficaz para evitar fatos semelhantes.
Certo? Errado! Naquele nosso brilhante Congresso tramita agora a PEC 65/2012. Depois de alguns anos adormecida, parece que acordou com todo o barulho que vem se fazendo na capital, e, junto com tantas outras barbaridades que acontecem na surdina, veio para dizer que, quando o responsável pelo empreendimento apresentar estudo de impacto ambiental, o licenciamento é obrigatório, e ninguém mais poderá dizer nada, exceto por fato superveniente. Ou seja: só será mais possível tomar providências sobre o leite derramado.
A Samarco apresentou estudo dizendo que está tudo bem e não há risco de vazamento em sua barragem? Pronto, o licenciamento é obrigatório. Vão derrubar meia Amazônia para criar boi e plantar soja? Se apresentarem estudo de impacto ambiental dizendo que está tudo perfeito, não haverá problema.
É isso que rola em Brasília: aproveitando-se de verem a pátria tão distraída, estão em vias de alterar a Constituição para atribuir à raposa a apresentação do relatório sobre as obras que pretende realizar no galinheiro; se disser que as galinhas ficarão seguras, o licenciamento estará garantido.
Mas nós, que choramos por Mariana, nós, que nos indignamos com a corrupção a ponto de ficarmos entorpecidos para tudo mais que acontece, nós, que estaremos prontos para nos comover quando descobrirmos os resultados de um novo crime contra a natureza, nem ao menos tomamos conhecimento de que essas coisas acontecem.
Então, viva a fábrica de Samarcos. E aguardemos a próxima tragédia.
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