Sabemos todos que a limitação de direitos e os retrocessos sociais parece ser uma tendência histórica. Os tempos são de resistência no mundo inteiro, e o Brasil vinha, de certo modo, na contramão desse movimento, embora a crise econômica causasse por si um agravamento nas condições de vida, com desemprego e retrações salariais.
O Governo Temer, que em nenhum momento se apresentou como interino, comportando-se desde logo como se fosse definitivo, teve início com a divulgação de um programa no qual transparecem a agressiva liberalização da economia, privatizações e retrocessos sociais. Parece certo que, em consolidado o golpe, teremos pela frente um período de forte diminuição do Estado.
Mas o mais preocupante é a proposta de constitucionalização desse Estado raquitizado. O anúncio da remessa ao Congresso de uma Proposta de Emenda à Constituição que limita, por vinte anos, o crescimento dos gastos públicos ao índice inflacionário significa isso: toma-se o orçamento de agora, já rebaixado pela recessão, e ele se transformará no patamar que vigorará nos próximos vinte anos por força de um mandamento constitucional.
Quando se fala em gastos públicos, aí se incluem os investimentos do Estado e os serviços públicos – saúde, previdência, educação, segurança e outros menos cotados. Evidentemente, a demanda por serviços públicos é infinita, do tamanho das aspirações humanas, e nunca será integralmente atendida, mas é intuitivo, e disso dificilmente alguém discordará, que a dívida social brasileira ainda é demasiadamente grande e está longe de atingir os padrões sociais dos países desenvolvidos. O mesmo acontece com a infraestrutura – basta pensar em nossas estradas.
Mas o que está sendo proposto é a institucionalização da ausência estatal: tomam-se os gastos previstos neste ano de contração e se põe na Constituição que nos próximos vinte anos este será o limite de gastos do Governo. Nossa população cresce 1% ao ano, o que impõe até fisicamente, para manter o padrão atual, igual incremento dos gastos com serviços públicos? A Constituição não permitirá. Passada a crise, o país retomará seu crescimento histórico, de um PIB que aumenta aproximadamente 3% ao ano? Também não interessa, e até 2036, mesmo que o país cresça mais que isso, as despesas do Estado ficarão limitadas ao patamar de hoje.
A dilapidação do Estado é péssima, geralmente sem volta. Se o pré-sal for entregue hoje, não será recuperado por um governo mais preocupado com a preservação do papel do Estado; se o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal ou a Petrobrás forem privatizados, também não haverá volta. Mas nada disso, se ocorrer, terá efeito vinculante para as políticas públicas futuras.
Diferente é a PEC anunciada, que pretende inscrever na Constituição um Estado atrofiado, ao sabor da linha de pensamento que pretende tomar o seu controle, retirando do eleitor a possibilidade de escolher entre os programas de governo que se apresentarem.
O Estado mínimo deixará de ser mero postulado neoliberal para tornar-se um mandamento constitucional.
É o que parece nos esperar, como a cereja do bolo dos retrocessos sociais.
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Na ilustração, Criança morta, de Portinari.
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