Morreu um policial. Assassinado, quem vê a filmagem não tem dúvida. Muitos outros ainda morrerão, nessa profissão perigosa, estressante e mal remunerada. Merece nossas homenagens quem tomba em serviço, e o policial morto tem a minha.
O momento é também de comoção, e na comoção se misturam sentimentos; entre eles, fortalecido pela ideia de que se está numa sociedade conflagrada – em plena guerra, dizem alguns –, viceja o da vingança. Junto com ele, a defesa do confronto.
Na morte de um policial, assim como no latrocínio, eleva-se o clamor por ações mais violentas da polícia. É como se subíssemos um degrau a mais na escalada de violência, que, só podendo ser resolvida pela própria violência, acaba servindo como justificativa para a truculência.
Nesse discurso, mesmo quem tem a obrigação de atuar com profissionalismo insinua que o policial morreu por não ter atuado com postura mais agressiva e assim agiu porque inibido pelas críticas dirigidas à polícia em outros episódios.
A filmagem está aí, e poderá servir como base de análise técnica do procedimento por ele adotado, inclusive para apontar eventuais erros cometidos na abordagem, mas os culpados já foram escolhidos: são os que criticaram os excessos da Brigada Militar em outros episódios.
A tese é improvável, mas sedutora: os policiais estão mais tímidos nas abordagens porque antes disso foram criticados, e só por isso ocorreu esta morte de agora.
Assim segue a lógica binária, e a cada crime dessa natureza se acusará, além de seu autor material, quem de algum modo critica a polícia pelos excessos que comete.
Não interessa saber se os críticos desejam uma Brigada Militar profissional, que saiba agir com a força necessária em situações de confronto; eles devem ser vistos como românticos e ingênuos, mas também perigosos, por criarem percalços a uma ação mais desassombrada.
Não tenho dúvida de que parcela significativa da população acha isso mesmo, e no seu senso comum pensa que, quanto mais bandidos forem mortos, melhor ficará a sociedade.
Mas não me parece honesto, exceto para quem só consegue fazer julgamentos pautados pela comoção, usar a morte de um policial para justificar a violência da polícia em outros episódios.
O debate sobre o modo de abordagem da polícia é necessário. É necessário não só porque a criminalidade está em alta, mas também porque a polícia brasileira é uma das que mais matam no mundo. E não é só um debate técnico. Espero que ele não seja sufocado pelo uso da comoção.
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Estou, certamente, entre os críticos criticados, por ter escrito A barbárie condecorada.
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