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O general foi preso
Calma, não se assuste, não foi no Brasil. O general preso foi o comandante do Exército do Uruguai, porque se manifestou contra a reforma do sistema de aposentadoria dos militares. Ficou aliviado por não ser aqui? Compreendo: se acontecesse aqui, os quartéis estariam em pé de guerra e o alvoroço com o risco de golpe…
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Sem surpresa
O general Villas Bôas é considerado um moderado. Nada tem a ver, por exemplo, com o general Mourão, candidato a vice de Bolsonaro e admirador declarado do torturador Brilhante Ustra. Também o distingue de Mourão o fato de que este está reformado, enquanto aquele comanda as Forças Armadas.
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A mãe do condenado
Existem histórias que nascem para ser contadas. Elas surgem e te interpelam, exigem ser escritas. Há outras que não, são não histórias, porque não podem ser reveladas. Faz dois anos que me deparei com uma destas. Ela me tocou, mas nunca cogitei de escrevê-la, porque havia pessoas a serem preservadas e porque me sentia ética…
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O cárcere
O centenário foi em julho, perdi a efeméride. Até perguntei no dia dos cem anos quem matou Marielle. Também podia ter perguntado quem matou Amarildo, porque isso foi há cinco anos. Talvez o enfoque rendesse um texto, associando Mandela ao apartheid brasileiro, mas os dias passaram e ele não veio. Mesmo sem texto, um outro…
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Mark e Kim
São caricaturas. Não sei se as recolhi caricaturas ou se caricaturas as tornei. Mas são caricaturas. Uma se regozija com o Facebook, por excluir perfis falsos do MBL; outra adverte quem se regozija, dizendo não se iludam, é só um ensaio para excluir a esquerda.
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Asilo inviolável
Pergunta: barraca ou carrinho onde dorme morador de rua é asilo inviolável para os fins do art. 5º, XI, da Constituição Federal? Fiz a provocação esta semana. Se perguntassem a mim, responderia assim: evidente que é! Ou assim: evidente que não é! Porque é isso mesmo: evidente que é e evidente que não é.
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Neutros
Há alguns meses, no meio de uma discussão virtual – só pode ser, porque as presenciais acabaram – recebi do outro lado, quase como um habeas corpus preventivo: só falta dizer que quem não se posiciona já está posicionado. Eu não havia dito nada daquilo, a acusação estava na cabeça do interlocutor, mas é interessante…
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A voz
Não sei se é grave: ouço vozes. Mas não se assuste, não são vozes imperativas, que, seguidas à risca, me assegurarão hospedagem vitalícia num manicômio judiciário. Na verdade, é uma voz só, num tom brando, que se manifesta um pouco abaixo dos meus pensamentos. Às vezes some, outras vezes fala comigo, mas não a ouço,…
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Amanhecer no IAPI
Sexta-feira, seis horas. Desço a madrugada fria da Plínio, sigo pela Avenida dos Industriários, passo pelo Alim Pedro e o contorno. Não é meu hábito, mas o Brasil e Costa Rica atrapalha a rotina e o despertar antecipado me deu a ideia. Há mais de trinta anos, desde os tempos de panfletar em fábricas, não…
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Clima, laqueadura, aborto
Penso, enquanto caminho até o cabeleireiro, na falta de inspiração – ou disposição – para escrever. Pouca gente no sábado, ele termina de falar no celular e depois me atende. Corte mais simples que o de Neymar: máquina dois do lado, três em cima. Sou um cliente silencioso, mas estamos só nós dois, e a…
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Interior profundo
Indo pela Mostardeiro e atravessando a Goethe na tarde de domingo, vi em frente ao Habib’s não mais que uma dúzia de aficionados do golpe militar, pedindo buzinadas de apoio. A pantomima com fantasias verde-amarelas tinha a densidade de uma manifestação pela restauração do império, e pensei no ridículo da cena, ainda maior por contrastar…
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A funda de Davi
A infância é a idade mítica, e nela tudo se conserva. Esta semana, minha lembrança retornou às histórias bíblicas de então. Não lembro bem se as recolhi das leituras do sótão ou dos primeiros anos escolares ou mesmo da catequese, mas há muitas. Também não sei por que as do Antigo Testamento aparecem com mais…
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Frase para o epitáfio
Mortes nivelam. Para quase todos, são o início do esquecimento. Poucos sobrevivem na memória coletiva, para se submeterem à apropriação do espólio. Sempre pensei no quão indefesos são os mortos, que já não podem se defender de quem os traduz e fala em seu nome.
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1º de maio
O boletim, feito em mimeógrafo a tinta (ajuda de última hora do Stédile, que descolou uma gráfica de centro acadêmico), dizia no título que era dia do trabalhador, não do trabalho. Do texto, lembro que fazia alusão à origem da comemoração, na luta pelas oito horas na Chicago de 1886, e também que dizia, na…
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O clima de 2018
Paira no ar um clima de confronto direita x esquerda nas eleições de 2018. Dita assim solta, a frase é quase um truísmo porque não houve, desde o fim da Ditadura, eleição presidencial que não tivesse, ao final, oposto candidaturas de direita e de esquerda. Assim foi em 1989, com Collor e Lula, em 1994…
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Meu caro amigo
Meu caro amigo Não podes imaginar a satisfação com que recebi tua mensagem. Já se foi, perdida, a nossa mocidade e faz tempo que penas ouvia alguém dizer, de vez em quando, que fulano está bem. Saudades da parceria, que os anos, e não só os anos, não trazem mais. Se emociona receber notícias tuas,…
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A ameaça
Não assisti ao Jornal Nacional, há anos não assisto, mas dizem que Bonner encerrou o noticioso (leia-se com aspas) repetindo com ar tenebroso uma postagem que o Ministro do Exército fez no Twitter com o seguinte conteúdo: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de…
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Sinal trocado
Sérgio José Dulac Müller. Foi ele quem me entrevistou quando fiz concurso para juiz. Ele e o Roenick. Depois, com o Favretto, fez minha banca em Direito Comercial. Bom de conversa, foi quem conduziu a entrevista, e, como eu próprio resolvi não seguir os prudentes conselhos que haviam me dado, de esconder minhas inclinações ideológicas…
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Barrar o ódio
A execução de Marielle colocou na nossa pauta a questão do ódio. Não o ódio de quem puxou o gatilho, porque quem mata assim não costuma fazê-lo por ódio, mas pelo cálculo frio do interesse contrariado, da necessidade de manter seu mercado ou garantir sua impunidade. O ódio de que falo é o dos gatilhos…
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Marielle
Não a conhecia, não sei quem a matou, se foi polícia, se foi bandido. Ou se foi polícia-bandido. Sei que era mulher, pobre, negra, bissexual (não sei em que ordem devo dizer). Faltou dizer: era favelada. Veio da Maré, conseguiu bolsa para fazer curso superior, depois fez mestrado, virou vereadora. E lutava.
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Mais plástico que peixes
Em 2050, haverá mais plástico que peixes nos oceanos. Mesmo para mim, que não consigo esperar nada de bom para nosso ambiente, atingido pelo aquecimento global e ameaçado pela corrida armamentista, agora reacendida pelas novas armas anunciadas por Putin, a previsão foi assustadora. Chego com atraso à notícia, porque o prognóstico consta de relatório apresentado…
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Algo de podre
Um dos grandes vexames internacionais do Governo Temer aconteceu em junho do ano passado, quando a Noruega comunicou a redução dos aportes ao Fundo Amazônia, por conta da recente reversão de expectativas em relação à redução no seu desmatamento. Não que surpreendesse a decisão, dado o malogro na política de preservação da Amazônia, que atingiu…
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Intelectuais minerais
Sou de um tempo em que Gramsci gozava de grande fama, muitos carregavam seus livros e alguns até os liam. Na esquerda, evidentemente, porque, como hoje, para a direita ele era um perigoso comunista, esconjurado diante da simples lembrança do nome. Naqueles tempos gramscianos, esperava-se das pessoas conscientes a capacidade de superar o pensamento abstrato,…
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Tuiuti
Vou caminhar, mais por obrigação com a saúde que por gosto. Começo contornando a alta vegetação, característica das praças porto-alegrenses deste verão, e ouço, do extremo oposto, o som agudo do aparador de grama. Torço que não estejam perto da pitangueira, para onde programei uma busca às temporonas. É bem lá que estão. Mesmo assim…
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Acima da lei
Fui visitar o Datafolha. Queria entender a pesquisa, compará-la com a anterior, ver o que mudou. Contemplei aqueles números espalhados em dezenas de laudas, não sei se os entendi bem, mas concluí que de dezembro a janeiro tudo continuou igual. Geralmente, nada há de significativo quando as coisas continuam iguais: porque inércia não é acontecimento.…
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Os juízes de Berlim
A frase tem vindo de vários quadrantes, sempre em tom de exultação: “Ainda há juízes em Berlim.” Sei, é dessas expressões que se vulgarizam e com isso passam a ter seu sentido diluído. Nesse caso, passou a ser utilizada cada vez que alguém deseja comemorar uma decisão judicial, qualquer que seja. Quando a conheci, ela…
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O mais admirado do sul global
Não que esteja evitando pensar ou falar em assuntos brasileiros nessas semanas fatídicas, mas a necessidade de contenção, a proibição legal de fazer certas abordagens, me desestimulam e sugerem que me dedique a outros assuntos. Nada melhor, então, que ler sobre assuntos internacionais. Quem manda no mundo?, de Chomsky, é uma boa pedida.
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Breve explicação sobre a outrora perseguida e hoje próspera seita dos histriões
São só cinco páginas, onde Borges esbanja sua erudição e genialidade. Por isso, sinto-me quase um profanador, ao fazer uso de Os Teólogos. Como sempre acontece com minhas leituras anárquicas, seu teor não demora a vazar pelos buracos da pobre memória; pouca coisa delas permanece escondida em suas profundezas, como um resíduo que esqueceu de…
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Las Casas e García Márquez
Leio, de costas para Torquemada, que da parede oposta me lança seu terrível olhar: Judio, brujo, curandera, solicitante, eran sólo algunos de los calificativos usados para denunciar, juzgar y condenar a quienes se apartaban de la fe católica. Eran esos otros, considerados distintos. Personas desarraigadas de su tierra, pero que lograran traer consigo sus prácticas…
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O punitivista
Evolução da população prisional do RS na proporção por cem mil habitantes. Comentários livres sobre os efeitos na sensação de segurança. A questão foi apresentada por Sidinei Brzuska e serve de provocação aos defensores do encarceramento. O punitivista empedernido, que dá de ombros a qualquer argumento contra as prisões – afinal, isso é coisa dos…
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Choram Marias e Clarices
Manoel foi levado da fábrica, Vladimir apresentou-se após intimação. Maria chorou Manoel, Clarice chorou Vladimir. Maria e Clarice choraram com a notícia do suicídio dos maridos. Suicídios no DOI-Codi, Manoel em 75, Vladimir em 76.
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Os maias, os mamutes e o precipício
Há anos os cientistas debatem sobre os motivos do misterioso fim da civilização maia. Sabemos bem como pereceram os outros povos americanos, dizimados e escravizados pelo conquistador europeu, mas os maias entraram em decadência séculos antes, abandonando suas cidades portentosas, sua ciência, sua astronomia, sua escrita.
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A falácia do pensamento médio
Frequentemente aparece em debates políticos a alusão ao pensamento médio, utilizada por candidato que pretende se dizer seu representante. Pronunciada em período pré-eleitoral, a frase pode perder seu sentido se, no momento da eleição, o pretenso representante desse pensamento não se eleger. Nesse caso, e porque construída a fala como se o enunciador fosse representante…
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Também subi no caminhão
Claro, falo metaforicamente, tipo somos todos Charlie ou coisa parecida – essa coisa facebookiana de solidariedade à distância. Mas o fato é que, neste meu caminhãozinho que se chama Bissexto, desde que o criei digo que é golpe.
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Livres do poder civil
Temer sancionou a Lei 13.491, que muda o Código Penal Militar, para que crimes dolosos contra a vida praticados por militares das Forças Armadas contra civis, quando, convocadas por algum dos Poderes, intervêm em operações internas como, por exemplo, acontece ao serem chamados para garantir a lei e a ordem.
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Concentração
Não foi surpreendente a revelação feita por Piketty no Fronteiras do pensamento de que somente uma parte do planeta, o Oriente Médio, com suas fortunas petrolíferas, tem concentração de renda superior à brasileira. No gráfico que projetou, mostrou o resultado de estudos recentes, não disponíveis quando escreveu O capital no século XXI, e neles se…
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Ditadores de espírito
A placa era igual a tantas outras, e por isso não chamaria a atenção de um cético. Dizia que mãe Francisca joga búzios, cartas e tarô, resolve problemas do amor, saúde e dinheiro. O que ela tinha de diferente e me fez acreditar que mãe Francisca talvez pudesse mesmo ajudar seus clientes foi a última…
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Os novos intérpretes
A Constituição é o que o Supremo diz que ela é. A consagrada máxima não deixa de ser ambígua. Por um lado, é verdadeira, porque, de fato, é o Supremo quem tem a última palavra na interpretação da Constituição. Essa é a sua atribuição, e modo como ele a interpretar passa a valer no mundo…
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Sobre dores e curas
Comovem-me as dores das pessoas. Todas elas, a dor da pobreza, a do abandono, a da doença, a da injustiça. Sei que sentir dor é próprio da vida e por isso muitas não têm solução. Nesse caso resta a solidariedade, quando a exercemos, porque anda cada vez mais rara. Houve tempos em que comparava dores,…
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Indecência
As notícias vieram sem muito destaque. Na verdade, começaram mesmo como seminotícias, apresentadas na condicionalidade do futuro do pretérito composto teriam sido. O teriam sido continuou por vários dias, depois, aos poucos, sem alarde, mudou par foram. Não é mais os índios flecheiros teriam sido mortos; já se dá como certo que foram mesmo mortos…
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A flor do jardim
Houve, nas reações ao fechamento antecipado da exposição Queermuseu, uma que me preocupou mais do que o obscurantismo conservador de sempre e o novo fascismo do MBL: a das muitas pessoas verdadeiramente democráticas que, sem se sentirem encorajadas a explicitamente defender a censura, levaram seu discurso para o mal estar diante de algumas obras que…
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O ônibus da Paulista
Entrou Janot, saiu o maluco do ônibus. Voltou a grande política e saiu a pequena política do cotidiano das relações sociais, assim satisfazendo quem lamentava o prosseguimento da masturbação. Mesmo assim, não posso deixar de voltar ao assunto, porque vejo nos detalhes que cercaram o evento anterior uma série de implicações que dizem com o…
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Prender para emancipar
Quem se masturba e ejacula em uma mulher num ônibus deve ser preso preventivamente? Pelas muitas manifestações iradas que tenho lido, sim. De fato, o gesto é de uma violência simbólica extraordinária, e, ressalvada a muito provável hipótese de que quem cometeu o ato foi uma pessoa enferma, autoriza a repulsa social na mesma medida…
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Overdose
O que tiveram em comum o tsunâmi que atingiu o Sri Lanka e o furacão Katrina, que atingiu Nova Orleans, além do fato de terem sido fenômenos climáticos? Foi a voracidade do mercado, que, ao aproveitar-se do choque causado pelos desastres, removeu pescadores da costa asiática, colocando em seu lugar resorts de luxo, e retirou…
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Parlamentarismo
O que é mais democrático: parlamentarismo ou presidencialismo? Muito antes do plebiscito de 1993, eu seguia uma lógica que considerava irrefutável: um governo formado por 594 pessoas (81 senadores e 513 deputados) é mais democrático que o governo de uma única pessoa, o presidente.
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O edifício da bandeira
Vejo de longe o edifício, e na retina da memória acende a gravura de um prédio majestoso, em cujo topo tremula uma bandeira, enquanto no fundo passa um grande avião. Eu era criança e a ilustração estava num livro escolar, talvez ainda perdido no sótão.
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Venezuela
Deu na capa da Veja: o falastrão caiu. Lembro que de Ijuí, onde morava, mandei mensagem: minha assinatura vai até o final do ano, mas podem parar de mandar agora. O fato é que a revista comemorou o golpe que derrubou Chávez. Começou com manifestações de rua convocadas por entidades empresariais e imprensa e se…
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A caminho do trabalho
Rádio eu ouço no deslocamento. Vinte minutos de manhã, dez à noite e menos que dez antes e depois do almoço. Era a Cultura, evidentemente. Minutos de Bergter, depois Lena Kurtz, Demétrio, Paulo Moreira. Se variava o horário da manhã, pegava MPB; se me antecipava à noite, desligava, porque ninguém aguenta discurso de deputado (nada…
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Um dia e outro dia
Parece que foi agendado: um dia a reforma trabalhista, no outro a condenação do Lula. A História acontece agora e a poeira não assentou para que seja contada com cores definitivas, mas a coincidência não há de passar desapercebida a quem fizer, no futuro, a crônica desses dias. E terá significado muito mais amplo que…
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Arbitragens
Nosso time era modesto: recém havia retornado da Série B, e foi surpreendente sua campanha no Brasileirão e a classificação à final da Libertadores. Por isso, o Boca era franco favorito, e restava aos gremistas apelarem à folclórica imortalidade. Primeiro jogo na Bombonera, começamos jogando melhor, mas, não lembro em que sequência, sofremos um gol…